Artigos e Entrevistas

Realmente queremos regionalizar o Porto de Santos?

Fonte: Jornal da Orla / Sérgio Aquino

 
Parte I
 
Temas relevantes e estratégicos são abandonados somente porque um novo governo se instala, com novas ideologias e, principalmente, mudanças de posicionamentos, entre o que defendiam antes e o defendem depois de eleitos
 
A exploração, gestão e administração do Porto de Santos têm sido temas conflituosos ao longo de nossa história. Antes mesmo da concessão para a empresa carioca, a Companhia Docas de Santos, a exploração da atividade portuária em Santos já havia sido transferida para a Província de São Paulo, que nada de concreto realizou.
 
Em vista da falta de ação da antiga Província Piratininga, o Império Brasileiro cancelou tal autorização e procedeu a licitação que resultou na concessão para a empresa que efetivamente transformou o sonho portuário de nossa cidade em realidade. Findo o prazo de quase 90 anos, em que o Porto de Santos se transformou em realidade e referência no hemisfério sul, previu-se a criação de uma empresa estatal para sua gestão. A história registra informações de que o Governo do Estado de São Paulo vivenciou nova oportunidade para atuar sobre este gigante portuário nacional.
 
Os relatos apontam que o governo federal teria consultado o Governo do Estado de São Paulo para que participasse no controle acionário da empresa que seria criada, com o encargo de substituir a Companhia Docas de Santos. Desta forma o porto seria administrado conjuntamente pelos governos federal e estadual. Como todos sabemos, o Governo do Estado de São Paulo não é acionista da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) e, portanto, a empresa foi implantada exclusivamente pelo governo federal, contando com a participação acionária de pessoas físicas e empresas privadas de maneira irrisória, apenas para caracterizar a ilusória personalidade jurídica como uma empresa de economia mista, ou seja, pública e privada.
 
Com a implantação da lei de modernização portuária (Lei 8.630/93), acelerou-se o processo de fortalecimento das gestões portuárias locais, em especial com a implantação do Conselho de Autoridade Portuária (CAP), que reservou participações efetivas dos municípios e estados onde se localizavam os portos.
 
Esta direção de participação efetiva na administração portuária foi ainda mais fortalecida por meio da Lei 9.277, de 1.996, que recebeu uma emenda proposta pela então deputada Telma de Souza, autorizando a delegação dos portos para os estados, municípios ou para ambas as figuras da Federação.
 
O governo do presidente Fernando Henrique, que efetivamente conseguiu implantar a modernização portuária, regulada na Lei 8.630/93, também empreendeu um programa para a descentralização total do sistema portuário nacional, delegando os portos aos Estados e Municípios que manifestassem tal interesse.
 
Foi assim, por exemplo, que os estados do Maranhão, Rio Grande do Sul, Pernambuco e Santa Catarina, que passaram a administrar os portos de suas regiões territoriais. Também foi com base em tal legislação que o município de Itajaí assumiu a administração do porto lá existente, transformando-o rapidamente de um porto desprezado pelo mercado, num porto competitivo e de destaque nas operações de contêineres no país.
 
Entretanto, enquanto outros Estados se empenhavam para assumir seus portos, o Governo do Estado de São Paulo, novamente, nada fez para tal intento e, assim, os movimentos existentes em nossa cidade e região não conseguiam ecos junto ao governo federal.
 
Somente no segundo mandato, o governador Mário Covas aceitou debater a questão, criando um Grupo de Trabalho, que, contando com a participação de entidades das cidades de nossa região, avançou rapidamente nas propostas e procedimentos para regionalizar a administração do Porto de Santos. Finalmente, parecia que o Porto de Santos teria sua gestão e administração regionalizada, com a participação do governo federal, estadual e os três municípios da região estuarina abrangida pelo mesmo.
 
Entretanto, o tempo trabalhava contra tal objetivo e desafio. O governo FHC, que defendia tal descentralização, caminhava para o término de seu mandato e a burocracia governamental estadual apresentou uma série de objeções burocráticas e questionamentos sobre interpretações legais.
 
O resultado, todos nós conhecemos. Infelizmente, no Brasil, continuamos confundindo Planos de Estado com planos de Governo. Temas relevantes e estratégicos são abandonados somente porque um novo governo se instala, com novas ideologias e, principalmente, mudanças de posicionamentos, entre o que defendiam antes e o defendem depois de eleitos.
 
O Porto de Santos continuou sob a administração federal e, com a nova lei portuária (Lei 12.815), verdadeiramente passou a ser administrado pelos órgãos de Brasília e muito pouco restou para a administradora local. Recentemente, o Presidente Temer, em visita à nossa região declarou que defende a revisão do Pacto Federativo, em especial para que os Estados e Municípios administrem seus portos. Temos uma nova janela de oportunidade. Vamos deixar esta janela se fechar? Queremos verdadeiramente regionalizar a administração do Porto de Santos? Vamos dialogar sobre este novo momento na próxima semana.
 
Parte II
 
Destaco, mais uma vez, que temos uma nova janela de oportunidade para regionalizar a gestão do Porto de Santos
 
Na semana passada, iniciamos nossos diálogos sobre as possibilidades de regionalização da administração do Porto de Santos, que não evoluíram no passado, forçando a nos indagar se realmente queremos atingir tal objetivo. A primeira oportunidade para que o Porto de Santos estivesse sob condução local, por meio do Governo do Estado de São Paulo, ocorreu entre os anos de 1869 e 1886.
 
Nesta fase, a concessão do Porto de Santos chegou a ser entregue para uma empresa privada, formada pelo Conde da Estrela e Praxedes de Andrade, que, mesmo com prorrogações contratuais, não conseguiram nenhuma evolução. Sequencialmente, o Governo do Estado de São Paulo também assumiu tal concessão e não conseguiu nenhuma ação concreta. Nesta fase, até a Associação Comercial de Santos tentou obter a concessão do Porto de Santos, representando a São Paulo Railway, baseada em exemplo usual na Inglaterra daquela época.
 
Com este fracasso do Governo do Estado de São Paulo, O Império Brasileiro novamente retomou a responsabilidade pela solução para tal empreendimento e, pelo Decreto 9573, de 1.886, abriu a licitação pública e, por meio de concessão, entregou para Cândido Gaffrfée, Eduardo Guinle e José Pinto de Oliveira a responsabilidade por implantar e explorar o Porto de Santos. Tais relatos encontram-se no livro do urbanista Prestes Maia. Aliás, sobre o envolvimento do Governo de São Paulo com o Porto de Santos, ele mesmo comenta, na página 40, "Vê-se que é antigo o prurido paulista de atacar diretamente o caso de seu porto máximo".
 
Este antigo interesse do Governo do Estado de São Paulo repetiu-se em tempos mais recentes. No dia 23 de agosto de 2001, no Palácio dos Bandeirantes, em pomposa cerimônia, o então (e atual) governador Geraldo Alckmin criou um Grupo de Trabalho para regionalizar a administração do Porto de Santos.
 
Tal grupo foi formado por dois representantes do Ministério dos Transportes, dois da Codesp, um de cada município da região portuária (Santos, Guarujá e Cubatão), dois dos trabalhadores portuários e quatro do Governo de São Paulo. O ministro dos Transportes era Eliseu Padilha, que discursou informando que o presidente Fernando Henrique Cardos havia determinado celeridade nos trabalhos, pois pretendia regionalizar o Porto de Santos até o final do seu mandato (31 de dezembro de 2002).
 
O Grupo de Trabalho teria, então, 16 meses para cumprir sua missão de regionalizar a administração do Porto de Santos. Naquela cerimônia anunciou-se uma projeção recorde para as movimentações em Santos, que chegariam às corajosas 43 milhões de toneladas, e que a regionalização do porto finalmente ocorreria.
 
O Porto de Santos fez a sua parte, superando 48 milhões de toneladas, e concluiu 2002 ultrapassando as 53 milhões de toneladas. Infelizmente, a determinação do então presidente FHC, de concluir seu mandato  com o Porto de Santos regionalizado, não foi cumprida. Mais uma oportunidade perdida!
 
Com o novo Governo Lula, o discurso mudou e retornou-se ao frágil discurso de que o Porto de Santos era muito importante para o país e, assim, não poderia ser regionalizado. Esqueceram de verificar as experiências mundiais, nas quais é considerado estratégico descentralizar os portos que são mais importantes, para justamente atender, com eficiência, os interesses nacionais. Basta verificar os Portos de Los Angeles e Long Beach, que movimentam cerca de 40% do comércio exterior norte americano: são administrados por seus municípios e Estado. 
 
Destaco, mais uma vez, que temos uma nova janela de oportunidade para regionalizar a gestão do Porto de Santos. O presidente Temer declarou que defende a descentralização do sistema portuário e que entende ser mais adequada a administração portuária pelos estados e municípios.
 
O ministro Eliseu Padilha, que não conseguiu cumprir a missão definida pelo Presidente FHC, pode agora se recuperar e concluir esta missão estratégica, já que ocupa o Ministério da Casa Civil e tem se envolvido na revisão legal portuária.  Mas nada disso acontecerá se não agirmos. Nossa população precisa se posicionar. Os formadores de opinião das cidades da região portuária precisam atuar! Principalmente os prefeitos e lideranças políticas, empresariais e laborais precisam se posicionar.
 
Também o governador Alckmin tem nova oportunidade para cumprir sua promessa feita 15 anos atrás. Se em seu discurso no Palácio dos Bandeirantes em 2001 ele disse que iria homenagear o governador Mário Covas regionalizando o Porto de Santos, conta agora com nova oportunidade para cumprir esta promessa.
 
Porém, isso somente se tornará realidade se realmente todos nós entendermos que é importante. Queremos ou não regionalizar o Porto de Santos?
 

Imprimir Indicar Comentar

Comentários (0)

Compartilhe