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Para o seu próprio bem, as empresas deveriam valorizar os mais velhos

Fonte: O Estado de S. Paulo / Marcelo Nakagawa*
 
“Eu não tenho medo de morrer…” – diz minha mais que colega, minha amiga de trabalho. “Tenho medo sobre como vou morrer…”. Dona Áurea, como a chamamos, é vitalidade, bom humor e resiliência em todos os sentidos. Ela não gosta de falar da idade, mas acho que viu o Brasil ser campeão em todas as Copas. Já não precisa da remuneração do trabalho há muito tempo, mas cumpre sua jornada diária porque gosta muito do que faz. Mas isto não a impede de apreciar um bom restaurante, jogar cartas com os amigos, postar novidades no seu Facebook, ir para a praia de tempos em tempos e ser viciada em tênis. Não conheço alguém que goste mais de tênis do que a Dona Áurea. Até hoje não sei se é por causa do esporte ou dos tenistas. Mas seja o que for, ela está certíssima. Dona Áurea sempre está certa. Errados estão os outros que se acham inválidos por causa da idade.
 
Mas a Dona Áurea é uma exceção no Brasil. Enquanto em outros países como no Japão, Coréia do Sul ou mesmo nos Estados Unidos é absolutamente normal idosos trabalharem, no Brasil a pirâmide etária organizacional está se achatando cada vez mais. Se não trabalhar em um órgão público, notará o predomínio da faixa de 20 a 30 anos e depois uma drástica redução nas faixas posteriores até ter dificuldade em citar pessoas com 50 a 60 anos. Mas isto ocorre menos pela vontade dos profissionais mais experientes e mais pela métrica financeira da margem crescente de lucros. Daí a intensa juniorização no quadro de colaboradores das empresas. Isto é ótimo para a juventude “que tem resposta para tudo” que entra no mercado de trabalho, mas algo cada vez mais preocupante para os “entas” (40, 50, 60) que lutam para manter seus crachás e sobrenomes corporativos.
 
Além disso, muitos idosos, talvez até já aposentados, precisam complementar sua renda. Neste ano, uma empresa de Curitiba anunciou a vaga de secretária com remuneração de R$ 1.200,00, mas dizia que tinha interesse em candidatos com idade mínima de 60 anos. A empresa entendia que candidatos com este perfil tinham mais paciência, eram mais comprometidos, além de ter experiência. Recebeu 1.700 currículos de cinco estados brasileiros. O IBGE estima que cerca de, pelo menos, 220 mil idosos estejam nesta situação. E o que mais assusta é que esta demanda vem crescendo 60% nos últimos quatro anos.
 
Este cenário assustador para todos nós que, invariavelmente, envelhecemos, tem mostrado alguns alentos (que estão longe se ser comemoráveis), mas que servem de exemplos para a importância dos profissionais mais experientes em trazer mais do que conhecimento, rede de relacionamento ou vontade real de trabalhar. Estes profissionais trazem mais serenidade, sabedoria e tem mais compromisso com a empresa, com as pessoas, principalmente clientes. E o principal, estes idosos tornam a empresa mais humana.
 
Muitas empresas já criaram programas de contração de profissionais mais experientes. Agora, inspirados no filme “Um Senhor Estagiário”, em que Robert De Niro representa um senhor de 70 anos que arranja uma vaga em uma startup e a revoluciona a partir da (re)descoberta de aspectos verdadeiramente humanos como a compaixão, a ética, o compromisso, a organização, o senso de equipe, a curiosidade em aprender e principalmente o amor fraternal pelas pessoas, várias novas empresas também estão interessadas em trazer um estagiário sênior para suas equipes.
 
Um dos grandes responsáveis pela valorização dos profissionais mais experientes é o empreendedor Mórris Litvak Jr. Ele fundou a startup MaturiJobs, a primeira plataforma brasileira que só conecta pessoas com mais de 50 anos com empresas que buscam este perfil, mas que também incentiva um número maior de organizações e em mais setores a também valorizarem não só a experiência, mas a sabedoria que só vem com a idade.
 
Para o nosso próprio bem, incentive e divulgue a valorização daquilo que é o futuro de todos nós. E viva como não ficasse velho nunca, pelo menos esse é o conselho da Dona Áurea. Já que você não pode escolher como vai morrer, pelo menos escolha como vai viver.
 
E viva a vida, Dona Áurea!
 
*Marcelo Nakagawa é Head de Empreendedorismo da FIAP
 

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