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A prevalência do negociado sobre o legislado

Fonte: Valor Econômico / Fabiano Zavanella* 
 
A discussão da prevalência do negociado sobre legislado é recorrente quando se fala no equilíbrio nas relações do trabalho e em tempos de crise. O assunto tem ganhado ainda mais força com a tramitação no Congresso Nacional do Projeto de Lei nº 4.962/2016, que dispõe sobre a possibilidade de as negociações entre as partes (empregador e empregado) estabelecerem condições diferentes daquilo que reza a CLT.
 
O projeto, no entanto, não propõe a supressão de direitos, a formalização do desequilíbrio entre as partes, como as interpretações mais apressadas podem sugerir e, tampouco, será irrestrito, uma vez que dois elementos fundamentais se encarregam de impor limites sobre as possibilidades de negociação: (i) o balizamento constitucional e (ii) a jurisprudência.
 
A Constituição Federal prevê o direito à negociação coletiva e assegura aos sindicatos a representatividade das categorias para a defesa dos interesses e direitos no âmbito judicial e administrativo, da mesma forma que os sindicatos patronais defendem os interesses das empresas. Nesse contexto, é que se materializa a negociação coletiva.
 
Ao mesmo tempo em que a Constituição aponta quem são agentes negociadores, os direitos e deveres das partes e sobre o conteúdo da negociação coletiva, ela também estabelece sobre a possibilidade de redução salarial e alteração de jornada por meio de negociação coletiva. Durante algum tempo se defendeu, até, a possibilidade de negociação irrestrita por conta justamente dessa autorização constitucional em relação ao salário e jornada que são pilares centrais do contrato de trabalho, sendo certo que a jurisprudência se construiu e se consolidou no sentido de que só é possível negociar ou justificar ajustes, ainda que autorizados legalmente, quando se tratar da melhoria da condição social do empregado, de acordo com o caput do artigo 7º da Constituição Federal.
 
Sendo assim, a negociação coletiva precisa ser interpretada sempre a partir da teoria do conglobamento e não de uma cláusula isolada. Caso contrário, corre-se o risco de interpretarmos tudo como uma mera redução de direitos. Então, a negociação implica em concessões recíprocas que não precisam ser da mesma equivalência jurídica e econômica. Exemplo disso são as negociações em que há a redução salarial por tempo determinado em troca de estabilidade no trabalho.
 
O debate sobre a prevalência do negociado sobre o legislado já passou por outros momentos, a exemplo do PL 5.483/2001 que visava justamente alterar o art. 618, da CLT, e foi arquivado em 2003. Esse PL voltou com outra roupagem em 2012 com o chamado acordo coletivo especial idealizado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, mas também não evoluiu. Veremos agora, frente ao temor que a notícia desperta na população em geral, se o assunto avançará.
 
Se pensarmos como seguramente agirá o Judiciário, não há razão para ressalvas da prevalência do negociado sobre o legislado, porque existem limites constitucionais, legais, administrativos e jurisprudenciais, sem contar os sociais, econômicos, políticos e culturais que deverão continuar sendo observados.
 
A Constituição Federal em seu preâmbulo sinaliza a importância da solução dos conflitos de forma autônoma, isto é, a sociedade deve se organizar para encontrar meios de solução de conflitos extrajudicialmente e o primeiro meio de solução de conflito, por excelência, é a negociação direta entre as partes e, talvez, o caminho da tão falada reforma trabalhista devesse iniciar alguns passos antes de se falar em prevalência de negociado em relação ao legislado no que se refere aos agentes protagonistas dessa questão: os sindicatos.
 
Sem dúvida alguma o modelo de unicidade sindical que ainda vigora não é adequado para se pensar em avanço nas negociações coletivas, fundamentalmente porque se listarmos os países com estrutura desenvolvida veremos que a opção é pela liberdade sindical irrestrita.
 
A ratificação da Convenção nº 87 da OIT pelo Brasil é medida de vital importância (e a consequente mudança do modelo) para que se possa efetivamente sustentar a prevalência do negociado sobre o legislado, afinal, nesse formato os Sindicatos irão se fixar pela competência e excelência nos serviços ofertados aos associados e, assim, alcançar efetiva representatividade. Logo, é muito menor a chance de nos depararmos com negociações manipuladas ou completamente tendenciosas como muitas vezes se percebe no cenário atual que leva o Judiciário a um intervencionismo excessivo.
 
Assim, o avanço do PL 5.483/2001 sem qualquer menção ou vinculação a uma profunda análise e reforma do sistema sindical brasileiro em pouco ou nada deverá refletir no cenário concreto já que as questões continuarão sendo judicializadas e em sua maioria decididas contrariamente ao ajustado sempre que houver algum indício de piora da condição social do empregado sem justa ou aparente motivação. E, com isso, continuaremos com a mesma intranquilidade que há muito torna a tarefa de orientar uma empresa em relação aos caminhos que deve adotar em uma negociação extremamente complexa e sem a devida segurança jurídica e, por conseguinte, sem atingir os principais objetivos que são: manutenção da unidade produtiva, do emprego e da construção de uma relação harmônica no âmbito coletivo.
 
*Fabiano Zavanella é especialista em relações do trabalho e sócio do Rocha, Calderon e Advogados Associados e Mestre pela PUC-SP
 

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