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Menos Estado, mais portos

Fonte: Folha de S. Paulo / Wilen Manteli*

Chega a ser escorchante o descolamento da administração pública em relação à realidade econômica e social do país. Esse descaso não é de agora, vem de anos.

 
Até mesmo neste momento de profunda crise, quando deveriam estar trabalhando duro em regime de cooperação para ajudar a reativar a atividade econômica, os órgãos públicos agem isoladamente e sem qualquer pragmatismo, como se nada tivessem a ver com o drama de mais de 11 milhões de brasileiros desempregados.
 
Não tem sido diferente no setor portuário. Acórdãos recentes do TCU (Tribunal de Contas da União) estabeleceram diretrizes que entram em choque com as políticas públicas da área. Determinam que a Antaq, agência que regula o setor, crie controle sobre os armadores estrangeiros -como se não bastassem os enormes problemas com os acessos aos nossos portos marítimos, vamos criar mais dificuldades para os armadores.
 
E ainda mais grave, impõem aos serviços portuários um controle de preço que deveria ser regulado pela livre concorrência.
 
Não se trata aqui de questionar a importância da atuação do TCU na fiscalização das contas públicas. O tribunal merece o aplauso e o respeito da sociedade. No entanto, estamos diante de flagrante invasão de competência, por parte do TCU, na esfera da Secretaria de Portos, subordinada ao Ministério dos Transportes, da agência reguladora e da Comissão Nacional das Autoridades nos Portos.
 
Essa sobreposição de responsabilidades e regulações resulta no pior cenário que o país poderia ter neste momento de crise. Gera insegurança jurídica, que retarda ou mesmo afasta investimentos, brasileiros e estrangeiros, nos portos do país.
 
A ordem econômica brasileira, estabelecida pela Constituição Federal, fundamenta-se na valorização do trabalho, na livre iniciativa e na competição. Esses são os pilares de uma economia de mercado, na qual a liberdade de preços é a principal condição.
 
É elogiável a preocupação dos homens públicos com o abuso do poder econômico. Porém, para resolver falhas de mercado, o país dispõe de leis e conta com a competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
 
As funções de fiscalização, incentivo e planejamento, segundo a Constituição, cabem ao Estado. Em nenhuma passagem há qualquer referência ao controle de preços.
 
Além disso, a atividade portuária não mais se constitui em serviço público desde a edição da lei nº 8.630, de 1993. Sendo uma atividade regulada, os terminais portuários no Brasil praticam preços em regime de concorrência. O TCU, nesse caso, tem competência para fiscalizar essas receitas derivadas de tarifas ou do valor dos arrendamentos nas administrações portuárias.
 
Com relação à Antaq, o tribunal deve exercer seu controle externo, mas na área administrativa da agência: dispêndios, contratações de compras e serviços, política de pessoal etc.
 
Resulta desse imbróglio a ausência de uma governança pública no setor portuário, essencial para a retomada do crescimento do país. Cada órgão, e são muitos, dita regras próprias, interfere nas atividades dos outros, sem que existam sinergia e coerência entre eles.
 
Essa absurda inflação de normas e desconsideração dos princípios constitucionais acorrentam o desenvolvimento econômico e social do Brasil. O setor portuário tem bilhões de reais da iniciativa privada disponíveis para investimentos.
 
Todavia, para que esses recursos sejam realmente aplicados, é preciso garantir segurança jurídica, quebrando os grilhões que mantêm o país no atraso. Com menos Estado e menos intervencionismo, teremos mais e melhores portos.
 
*Wilen Manteli, 70, advogado, é diretor-presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP)
 

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