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Greves dos anos 1970 criaram ambiente para alguma liberdade sindical

Fonte: ConJur / Raimundo Simão de Melo*


 
A história evolutiva da greve no Brasil está relacionada com o modelo de liberdade e autonomia sindicais reinantes no nosso país ao longo do tempo. A primeira lei a tratar do assunto foi o Código Penal de 1890, que considerava crime o seu exercício, punindo o seu autor com pena de 1 a 3 meses de detenção. A Constituição Federal de 1937 estabeleceu no artigo 139 que “a greve e o lockout são declarados recursos antissociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”. A Constituição de 1946 dizia (artigo 158) que “é reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará” e a Carta de 1967, elaborada durante o regime de ditadura militar, trilhou o mesmo caminho, não permitindo a greve nos serviços públicos e atividades essenciais.
 
O Código Penal de 1940, que ainda está em vigor, pune a greve seguida de perturbação da ordem pública ou contrária ao interesse coletivo no artigo 201 com pena de detenção de seis meses a dois anos, e multa.
 
Várias foram as leis e decretos que trataram sobre a greve no Brasil até 1988, sendo exemplos a Lei 35/35, que considerou a greve como delito e a CLT, na redação original, que também a considerou como delito nos artigos 723 e 724 e a Lei 4.330/64 da época da ditadura militar, que permitiu a greve nas atividades normais com restrições, que na prática tornava-se impossível o seu exercício ser considerado legal. As greves política e de solidariedade eram proibidas expressamente na lei.
 
Quando existiam greves, regra geral havia ocupações e intervenções nos sindicatos, cassações e punições de dirigentes sindicais e ativistas como represálias aos movimentos trabalhistas.
 
Havia, como se vê, um grande arrocho contra o exercício do direito de greve no Brasil, cujo objetivo era abafar os conflitos sociais, que, quando existiam, eram logo resolvidos por decisões da Justiça do Trabalho, que, regra geral, declarava a greve ilegal e estabelecia os direitos que os empregadores deveriam conceder aos trabalhadores.
 
O golpe militar de 1964 significou a mais intensa e profunda repressão política que a classe trabalhadora enfrentou na história do país nos últimos tempos, cuja estratégia era reprimir os movimentos operário e populares, que eram as principais forças políticas sociais capazes de se oporem e resistirem ao regime. Por isso, as ocupações militares e as intervenções atingiram cerca de 2 mil entidades sindicais em todo o país, cujas direções foram cassadas, presas e exiladas, e o regime militar passou a nomear interventores de sua confiança para substituírem as lideranças legítimas eleitas pelos trabalhadores.
 
Com isso, os trabalhadores perderam força e organização, não conseguindo mais fazer greves para defender os interesses das respectivas categorias, quando em meados dos anos 1970 o país começou a viver os primeiros sinais da crise econômica, levando o regime militar a perder base social de apoio, enquanto a sociedade civil se levantou e começou a reestruturar-se e a manifestar-se politicamente pela redemocratização do País. Foi nessa época que começou a articulação no ABC paulista de uma nova proposta sindical, com o reingresso da classe trabalhadora no cenário político, quando em 12/05/1978 os trabalhadores da Saab-Scania entraram em greve, adentraram na fábrica, vestiram os macacões, bateram os cartões de ponto e cruzaram os braços diante das máquinas, num movimento de certa forma espontâneo e inesperado para os patões, militares e a própria classe trabalhadora. Esse movimento de massas marcou o ressurgimento da ação reivindicatória grevista no Brasil, depois de uma década de resistência operária.
 
Em 1979 novamente os metalúrgicos do ABC entram em greve geral no dia 13 de abril, primeiro grande movimento de massas da classe operária depois de 1964, na forma de uma greve fora da fábrica, por tempo indeterminado e com a realização de grandes assembleias, cujo movimento espalhou-se por todo o ABC, tendo a Justiça do Trabalho julgado ilegal o movimento e o Ministério do Trabalho decretado a intervenção nos Sindicatos de metalúrgicos de São Bernardo, Santo André e São Caetano do Sul, afastando dos respectivos cargos os dirigentes sindicais.
 
Em 1980, mais organizados, os metalúrgicos do ABC paulista novamente entraram em greve no dia 1º de abril, para ser mantida independentemente da repressão policial, ocupação dos locais das assembleias, intervenção nos Sindicatos e prisão dos dirigentes sindicais, que eram certos e de fato aconteceram. Essa greve durou 41 dias em São Bernardo do Campo, apesar da intervenção nos Sindicato, prisões de diretores e ativistas e fortíssima repressão policial e militar sobre os trabalhadores, terminando numa assembleia geral realizada no dia 11 de maio, na Igreja Matriz de São Bernardo do Campo, quando afirmaram que “em pleno vigor de uma greve que já dura 40 dias, mais organizados do que nunca, fortes e conscientes, amanhã voltaremos às fábricas. Que os patrões e o governo saibam: atrás de cada máquina, eles terão um trabalhador em guerra; voltamos apenas para evitar a repressão da polícia do governo face a face e desarmados; a guerra continua porque em nossos corações e em nossa alma carregamos a ira dos justos e uma eterna sede de justiça”.
 
A conclusão a que se chega é que as greves ocorridas no ABC paulista em pleno regime de exceção, na década de 1970, e depois espalhadas por diversas categorias e regiões do país, não tiveram apenas papel reivindicatório trabalhista, porquanto buscaram e conseguiram os trabalhadores, além disso, enfrentar e romper com o regime de ditadura militar e criar ambiente político propício para a redemocratização do país e o implemento de alguma liberdade sindical, que veio com a Constituição de 1988 nos artigos 8º e incisos e 9º, embora parcial.
 
*Raimundo Simão de Melo é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor titular do Centro Universitário UDF. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador.
 

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