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O futuro das pontes, portos & Cia.

Fonte: Valor Econômico / Luiz G. Belluzzo e Gabriel Galípolo
 
Em 2014 o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos publicou o "Soybean Transportation Guide: Brazil", que apontou entre os nossos principais problemas: o crescimento da produção acima da infraestrutura de armazenamento; o fato de 61% da soja ser transportada para os portos via caminhões; a incapacidade dos portos em atender a demanda de caminhões, ocorrendo filas de até 50 km no período de alta de exportação, e de navios cargueiros, por problemas de calado e filas de espera; a não existência de atracadouros cobertos, impossibilitando o carregamento de navios em dias chuvosos.
 
O estudo conclui que a melhoria da infraestrutura poderia proporcionar ao mercado de exportações globais do Brasil um aumento de 27% a 47%, mas seria necessário investir R$ 400 bilhões apenas para cumprir as normas mínimas de modernização e expansão do sistema. No entanto, como o país investe cerca de R$ 15 bilhões por ano, o alcance desta meta só ocorrerá em 30 anos.
 
Os investimentos em infraestrutura estão inscritos nas prioridades da agenda econômica por conta de seus efeitos multiplicadores na geração de emprego e renda, aumento da produtividade, competitividade sistêmica e a melhoria na qualidade de vida que engendram.
 
A redução em operações do BNDES em 2015 não foi suprida por crédito privado nacional ou internacional
 
Os marinheiros (de primeira viagem), recém embarcados na defesa do fomento aos investimentos em infraestrutura, devem temer a narrativa fácil emitida por algumas sereias. Tendem a soçobrar os que singrarem estes mares apenas com a crença de que o mundo está cheio de capital à procura de oportunidades, basta vender tudo a eles.
 
De início é preciso compreender que conceder não é o mesmo que privatizar. Na concessão o investidor privado não adquire a propriedade do ativo público, que permanece com o poder concedente, mas sim o direito de explorar aquele serviço por tempo determinado. O ativo adquirido pelo privado é o direito de se remunerar com a exploração do serviço, podendo ser exclusivamente pela cobrança de tarifa do usuário do serviço (concessão comum), pelo pagamento de contraprestações do governo (parceria público-privada na modalidade concessão administrativa) ou ainda pela combinação de ambas, tarifa e contraprestações (parceria público-privada na modalidade concessão patrocinada).
 
Como contraparte ao direito de exploração do serviço, é exigido do concessionário a realização de investimentos e níveis de desempenho mínimos na operação e manutenção do serviço. Os projetos devem equilibrar os valores que serão desembolsados pelo privado - pagamento de outorgas, investimentos necessários, custos de operação e manutenção - com as receitas projetadas, de forma a conferir rentabilidade atraente ao projeto, compatível com ativos que ofereçam risco similar.
 
Os projetos de infraestrutura não devem maximizar no curto prazo o valor arrecadado com a venda ou concessão do ativo. É fundamental que se reverta o máximo possível dos recursos do projeto para novos investimentos, necessários à promoção da infraestrutura na quantidade e qualidade necessária no longo prazo.
 
A privatização só é investimento aos olhos de seu adquirente, mas na ótica macroeconômica é transferência de patrimônio. O conceito de captação do recurso privado, não para ampliar a oferta de infraestrutura e serviço público no país, mas para maximizar a arrecadação do governo com sua venda, já revelou suas limitações nos anos 90. No festival de privatizações, a almejada melhoria das contas públicas, com recursos obtidos apenas uma vez, foi tragada pela sanha dos juros e da especulação cambial.
 
Projetos de infraestrutura apresentam perfil de longo prazo de maturação, o que significa anos de vultosos investimentos para sua implantação e décadas de aferição de receitas para sua remuneração.
 
Ante as dificuldades em harmonizar essas características com o retorno, prazo e liquidez desejado pelos bancos privados domésticos, cresce a fé que o capital internacional, castigado pelas taxas de juros negativas praticadas nas economias desenvolvidas, vislumbre oportunidades em nossas carências.
 
É enfadonha a reincidência de episódios de dificuldades de empresas públicas e privadas em decorrência do uso de financiamento em moeda estrangeira, para projetos cuja receita se dá em moeda doméstica. Argumentam alguns que os ganhos nas receitas de exportação do agronegócio "protegem" os investidores em infraestrutura do risco cambial. Há confusão entre os benefícios do aumento provável de exportações e as empresas de infraestrutura que tomaram financiamentos em moeda estrangeira. Para uma análise mais aprofundada dessa questão recomendamos a leitura do texto do BIS, "Breaking free of the triple coincidence in international finance".
 
Os remédios recomendados para atenuar o inconveniente descasamento entre moedas propõem que as tarifas públicas sejam indexadas ao câmbio, com reflexos perversos sobre a inflação e a política monetária, ou recomendam que o risco de variação cambial seja alocado ao Estado. De toda forma, o usuário do serviço ou o contribuinte vai pagar a conta.
 
A possibilidade de impulsionar investimentos em infraestrutura sem a participação dos bancos públicos habita as mesmas mentes que sugerem como grande inovação exigir que os concessionários contratem seguro desempenho, os chamados "performance bonds". Essas mentes brilhantes ignoram que "performance bonds" são tão frequentes e habituais nos contratos de concessão quanto os financiamentos do BNDES.
 
A redução nas operações do BNDES em 2015 não foi suprida por crédito privado nacional ou internacional. Os que acusam a ausência de demanda por crédito poderiam consultar o mercado. A chance de encontrarem um concessionário impedido de realizar investimentos por restrição a financiamento, em volume, prazo e condições adequadas ao perfil do projeto é próxima de 100%.
 
As restrições à oferta de capital a taxas de juros inferiores ao custo de captação do Tesouro configuram questão central no debate do papel dos bancos públicos, pelo seu ônus fiscal. Na conjuntura atual, é fundamental assegurar a oferta de crédito para esses projetos, ancorada por bancos públicos praticando taxas que reflitam o custo real de captação, de forma a não onerar o Tesouro.
 
Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists.

Luiz Gonzaga Belluzzo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, escreve mensalmente às terças-feiras. Em 2001, foi incluído entre os 100 maiores economistas heterodoxos do século XX no Biographical Dictionary of Dissenting Economists. 
 
Gabriel Galípolo é professor do depto. de economia da PUC/SP e sócio da Galípolo Consultoria.
 

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