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Modelo portuário brasileiro está indo a pique

Fonte: ConJur / Marcus Vinicius Macedo Pessanha (*)

 
“Navegar é preciso, viver não é preciso”. A famosa frase usualmente associada ao poeta português Fernando Pessoa, na verdade, foi utilizada anteriormente pelo general romano Pompeu por volta de 70 a.c.. A ideia era encorajar seus soldados em uma missão bastante perigosa para a época: transportar um carregamento de trigo das províncias para a cidade de Roma pelo mar, enfrentando as precárias condições de transporte marítimo. Caso o general Pompeu fosse trazido para o Brasil atual, ficaria espantado ao perceber que em pleno século XXI a infraestrutura portuária e marítima ainda causa calafrios de incerteza nos operadores marítimos e nos profissionais do ramo.
 
A precariedade do setor portuário é, há muito tempo, apontada pelos empresários como empecilho à circulação de riquezas por meio de exportações e importações. Filas intermináveis de caminhões e carretas nas rodovias são formadas em razão da deficiência nos planos de movimentação e embarque de cargas bem como da falta de áreas de estacionamento e estocagem adequadas. A falta de dragagem adequada nos canais de acesso impede a atracagem de grandes e modernas embarcações, excluindo o Brasil de relevantes linhas comerciais, sem que se esqueça do já velho conhecido excesso de procedimentos burocráticos.
 
Assim, temos a receita do caos. Tais circunstâncias dificultam a agilidade e a pontualidade no escoamento da produção. Por óbvio, isso encarece tanto a produção nacional destinada ao exterior, quanto os produtos estrangeiros comercializados no Brasil. Como ser competitivo nos dias de hoje em um cenário de crise econômica interna e intensa disputa comercial internacional, se justamente o porto, que deveria ser simplesmente local de saída e entrada de mercadorias, se transformou em gargalo intransponível, o pesadelo dos empresários e exportadores?
 
O Relatório de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial para os anos de 2015-2016, de acordo com The Global Competitiveness Report, que traz a lista das economias com as melhores condições para investimentos considerando vários parâmetros, indica que o Brasil caiu da 56ª posição (2013-2014) para a 75ª, atrás de países como Azerbaijão, Ruanda e Marrocos.  Uma das causas decisivas para o desempenho pífio é justamente o mal estado de nossa infraestrutura portuária.
 
O mesmo estudo, ao trazer uma listagem das necessidades fundamentais para um país com uma economia minimamente desenvolvida, aponta a infraestrutura como o segundo pilar a ser observado, a indicar a solidez das instituições em primeiro, o ambiente macroeconômico em terceiro e a saúde e a educação básica em quarto.
 
A Lei 12.815, de 5 de junho de 2013, a nova lei dos portos, trouxe interessantes inovações para o setor, mas a atuação do poder público ainda é muito tímida. O artigo 3º já afirma que a exploração dos portos organizados e instalações portuárias devem ter como objetivo o aumento da competitividade e o desenvolvimento do país, mas pouco, ou quase nada significativo ainda foi feito para resolver a situação endêmica de crise do setor, que já perdura há décadas.
 
Recentemente, o próprio poder público deu mostras de que o modelo até então adotado está exaurido, sufocando a economia e prejudicando a produção de empregos e riquezas. Em 13 de novembro de 2015, a Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP) iniciou um processo de contratação emergencial das obras de dragagem do Porto de Itaguaí, cujos valores são previstos em R$ 65 milhões. Ora, até quando o setor portuário ficará sujeito a soluções temporárias e emergenciais que se sucedem, demandam elevados recursos e não representam um avanço real e concreto? É como remendar uma calça rasgada. Chegará um momento que os remendos não resolverão e será necessária uma calça nova. Forçosamente.
 
Entre 23 de março a 19 de abril de 2015, a SEP deu início a um procedimento de consulta pública para receber sugestões e contribuições da iniciativa privada para a definição de aspectos estratégicos de um futuro modelo de concessão do acesso aos portos. Objetivo: buscar uma solução para o problema da dragagem dos portos. Trata-se de um indício de que é preciso tratar a asfixia que está estrangulando as operações comerciais marítimas, mas é preciso insistir. Ainda é pouco.
 
Existem diversas posições sobre a conveniência da privatização (ou não) dos portos, bem como sobre suas atividades acessórias. É sabido que existe demasiado corporativismo e fortes interesses setoriais envolvidos. Enquanto esta celeuma não for resolvida, a economia e o interesse público continuarão reféns dos privilégios de algumas castas de favorecidos. 
 
Na verdade, o interesse público econômico da população indica que é preciso mais do que privatizar os portos, uma vez que o modelo clássico de exploração portuária pelas companhias docas está ultrapassado sob vários aspectos. Mostra-se importante vencer o monopólio da atividade portuária com a introdução de uma vez por todas do Brasil no cenário internacional e na modernidade das operações marítimas. É essencial a implementação de modernas práticas de gestão que visem prioritariamente a busca da eficiência e da redução de custos, com o aumento da produtividade. Isso somente se conseguirá com a adoção de instrumentos privados de gestão. Afinal de contas, como afirmou o ganhador do prêmio Nobel de Economia, Milton Friedman, “ninguém gasta o dinheiro dos outros com tanto cuidado como gasta o seu próprio. Se quisermos eficiência e eficácia, se quisermos que o conhecimento seja bem usado, isso precisa ser feito por meio da iniciativa privada”.
 
O desafio é grande e as incertezas imensas. O mercado ainda está se adaptando às novas regras e o novo marco regulatório ainda não foi completamente assimilado pelos juristas. Contudo, se o general Pompeu conseguiu livrar Roma da fome, não podemos perder as esperanças.





(*) Marcus Vinicius Macedo Pessanha é sócio do Nelson Wilians e Advogados Associados. Especialista em Direito Administrativo, Regulação e Infraestrutura.
 

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