Artigos e Entrevistas

Brasil patina em conhecidos gargalos

Fonte: Guia Marítimo
 
Para especialista, falta vergonha na cara de governantes para mudar atual cenário

 
“A burocracia é o nosso calcanhar de Aquiles. Querer controlar tudo nos portos, aeroportos e fronteiras é um grande erro nosso”. A afirmação é de Umberto Reis, da Urca Consultoria em Logística e Treinamento Ltda. e que, atualmente, atua em Roterdã. O especialista diz, nesta entrevista exclusiva ao Guia Marítimo, que o Brasil está distante da Europa, onde a carga chega e sai rapidamente dos portos, aeroportos e são controladas nos intermináveis terminais privados alfandegados espalhados pela cidade afora, o que, na prática, facilita a vida de todos. “O Brasil vai perdendo toda a sua vantagem competitiva nos meandros dessa burocracia que não temos aqui na Europa. Dizer que não temos cultura para aplicarmos esse procedimento no Brasil é uma balela; falcatruas podem acontecer em qualquer lugar”, avalia.
 
Para Reis, além da burocracia, pontos como a falta de calado é outro grande inimigo que precisamos superar. “Para resolver isso falta seriedade e vergonha na cara das autoridades brasileiras. Investimentos nos portos de forma desburocratizada é a saída para isso; na minha opinião”, diz.
 
Como enxerga a atual logística e infraestrutura dos portos brasileiros?
 
Tenho acompanhado as notícias sobre o andamento dos investimentos em infraestrutura no Brasil daqui e Rotterdam. Pelo que vi me parece pouco tem andado; falta como sempre foco e vontade política para os projetos andarem.
 
Sabemos que o calado é um dos entreves que enfrentamos, em um comparativo com os portos de fora, focando em Rotterdam onde atua, como avalia os entraves e o que podemos e devemos melhorar?
 
O calado sempre foi um e continua sendo um dos maiores problemas dos portos brasileiros. Para resolver isso falta seriedade e vergonha na cara das autoridades brasileiras. Investimentos nos portos de forma desburocratizada é a saída para isso, na minha opinião. Atuei quatro anos como conselheiro no CAP dos Portos do Rio e Niterói e vi pessoalmente o quanto isso é complicado. Aqui em Rotterdam burocracia não existe e tudo funciona corretamente e de acordo com as prioridades, cidade e autoridades portuárias. E impecável, estão anos luz na nossa frente.
 
E quanto à burocracia, quais os principais entraves para exportarmos e importarmos mais?
 
A burocracia é o nosso calcanhar de Aquiles. Querer controlar tudo nos portos, aeroportos e fronteiras é um grande erro nosso. Porque não fazemos como na Europa onde a carga chega e sai rapidamente dos portos, aeroportos e são controladas nos intermináveis terminais privados alfandegados espalhados pela cidade afora, isso facilita a vida de todos. O ganho de agilidade e competitividade na operação é enorme. O Brasil vai perdendo toda a sua vantagem competitiva nos meandros dessa burocracia que não temos aqui na Europa.
 
Como este aspecto burocrático é em Rotterdam?
 
Aqui a burocracia praticamente não existe. Nas equipes dos terminais privados existem pessoas habilitadas para fazerem o processo de desembaraço no próprio terminal tanto para exportação quanto para importação. Mesmo para o tramite de produtos de países fora do bloco Europeu o processo também é feito no próprio terminal com um pouco mais de exigência, o que traz um ganho de tempo enorme.
 
Como vê a relação comércio Brasil – Europa?
 
O momento é de crise e todos nós sabemos disso. Muito diferente da crise de 2008 quando o Brasil estava numa situação mais confortável e com números macroeconômicos bem melhores. A Europa vem fazendo um esforço enorme para voltar a crescer como deveria. O Brasil apresenta números ruins sobretudo na alta da inflação que diminui nossa competitividade que já não era boa. Honestamente acho que se o Brasil mantiver seu volume de negócios com a Europa vai estar no lucro. A Europa assim como o resto do mundo não vê o Brasil atual com bons olhos devido aos inúmeros casos de corrupção atrelados a Operação Lava Jato e outras. Isso nos envergonha muito aqui fora. Precisamos reagir para mudar esse quadro.
 
Estabelecendo um comparativo de permanência no porto entre retirada e saída da carga, qual é a reação, por exemplo, para o senhor, que têm experiência fora, onde este processo leva horas e não dias como aqui?
 
Aí é uma covardia danada fazer esse comparativo por diversas razões. O Porto de Rotterdam está muito distante de nossa realidade. A permanência da carga é a estritamente necessária, nem mais nem menos. Assim que a carga chega nos terminais de Rotterdam, são descarregadas e imediatamente transferida para os navios e barcaças – Feeder – que se encarregam de distribuir para os diversos terminais privados alfandegados onde o processo de desembraço será elaborado, tudo muito rápido e prático. Dá gosto ver o fluxo de vai e vem dos navios e barcaças lotados de contêineres e carga geral desfilando o tempo todo pelo rio Niewe Maas. Não creio que chegaremos algum dia no modelo holandês; tomara que sim, essa caminhada me parece eterna.
 
O governo brasileiro tem demonstrado vontade política de implementar ações efetivas no setor. Como vê o PNLI, PNLP, PIL e a Lei dos portos por exemplo? Na prática esses projetos trouxeram benefícios?
 
Toda ação pode trazer benefícios, os planos acima já foram lançados há algum tempo e o resultado é sempre muito pouco para o que realmente necessitamos, pelas razoes que já mencionei nessa entrevista. Tenho visto tanto coisa ruim acontecendo no Brasil que deixei de acompanhar de perto evolução desses planos. Enquanto estiverem impregnados de interesses políticos não tem como ir rápido. Demonstrar vontade política é muito fácil, queremos ver acontecer!
 
O que os portos brasileiros deixam a desejar para os portos de fora e como superarmos os problemas dos calados que ainda impedem o Brasil de receber supernavios 100% carregados?
 
O Brasil precisa entender que o porto e a cidade devem viver em harmonia, como em um casamento e juntos construir o plano melhor para todos. Cito o porto do Rio como exemplo pois foi onde atuei como membro do CAP e pude ver de perto como as coisas funcionam, mas acredito que o mesmo ocorra nos demais portos. Ali a prefeitura do Rio dizia que o porto atrapalhava a cidade, que era esteticamente feio e queriam inclusive colocar uma ciclovia dentro do porto, um absurdo! Diziam que queriam revitalizar um porto que sempre existiu e nunca deixou de operar. O Governo pelo seu lado impôs colocar bem ao lado do porto o Hospital de traumatologia, contra a vontade do CAP. Esquecem de dizer que o porto do Rio sempre existiu e que a cidade é que cresceu ao lado dele sem planejamento adequado e hoje a cidade é quem atrapalha o porto. Em Rotterdam também existe conflito entre a cidade e o porto, mas tudo é resolvido logicamente e em prol de ambos. Existe inclusive um passeio turístico de navio dentro do porto – Rotterdam Experience – onde você pode ver como o porto funciona e o que estão fazendo em termos de desenvolvimento. Se continuarmos patinando como temos feito até agora, continuaremos crescendo muito pouco.
 

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