Artigos e Entrevistas

A real privatização dos portos

Fonte: Valor Econômico / Nelson Luiz Carlini (*)
 
Em junho de 2013, o governo sancionou a Lei 12.815, denominada a "nova Lei dos Portos". Se o novo marco regulatório não eliminou todos os entraves legais, ao menos contribuiu para acelerar os investimentos no setor, pois permitiu que os terminais eminentemente privativos passassem a movimentar cargas de terceiros, sem restrições. Contudo, os investimentos em novos terminais e na modernização dos existentes, sejam privados ou arrendados, ainda demorarão a surtir o efeito esperado, tendo em vista o tempo de maturação, desenvolvimento e implantação de projetos da magnitude e complexidade de um empreendimento portuário.
 
Enquanto isso, já devemos voltar nossas atenções para possíveis alterações na nova lei visando à melhoria da gestão e, por extensão, da eficiência nos portos públicos. Entre esses ajustes, ouso sugerir a privatização, via contrato de gestão, da própria Administração Portuária, nos chamados portos organizados (públicos). Não devemos também perder de vista a privatização, por meio de concessão, em moldes semelhantes ao que é feito nas rodovias, dos canais de acesso marítimo, ideia em estudo na própria Secretaria Especial dos Portos (SEP).
 
As Administrações Portuárias são exercidas por meio de sete Companhias Docas ­ Pará, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo ­ que gerem 17 portos públicos nesses Estados. Ocorre que a centralização, a interferência política por vezes espúria e a burocracia centralizada nem sempre permitem que as Cias. Docas cumpram suas funções a contento.
 
Voltada para resultados, pautada pela eficiência e produtividade, a gestão privada seria remunerada em função do resultado, com base em percentual do que for arrecadado no Porto Público: tarifas de utilização das infraestruturas terrestres e marítimas, bem como receitas provenientes de arrendamentos ou processos de alienação de ativos. É preciso lembrar que hoje as Docas empenham a maior parte de suas receitas no custeio de sua máquina administrativa, no pagamento de indenizações trabalhistas e em contratos de prestação de serviços (às vezes supérfluos), restando pouco para investir em melhoria da estrutura e da eficiência.
 
Com o modelo de gestão privada, os portos públicos não dependeriam mais de verbas do Tesouro, demoradas e nem sempre distribuídas com base em critérios técnicos, à luz das regras de mercado. O Contrato de Gestão com o agente privado teria a previsão dessas remunerações, e o Plano contemplaria a estabilização e o saneamento das Cias. Docas.
 
A propriedade da gestora privada poderia ser dos arrendatários dos terminais do porto público, com participação societária minoritária do Estado. Os ativos não operacionais do porto seriam alienados ou, quando possível, utilizados para garantir o saneamento dessas empresas, por meio de sua securitização. Saneadas, essas empresas teriam condições de ampliar os investimentos na melhoria de sua infraestrutura, mediante aporte dos sócios, do próprio Estado, ou via financiamento.
 
Quanto aos canais marítimos, a justificativa para a sua privatização está no fato de que os terminais privados mais modernos do país hoje não podem usar de forma plena toda a sua capacidade operacional. E o problema ocorre porque as dragagens dos canais de acesso não vêm sendo feitas na frequência necessária ou da forma correta ­ e também devido às idiossincrasias da administração pública, em especial a burocracia. Em Santos e no Rio as licitações foram feitas e refeitas nos últimos anos, com o desembolso de bilhões do Tesouro, sem que o problema tenha sido resolvido. 
 
Em outras partes do país existem terminais privados ultramodernos impedidos de receber grandes navios devido à restrições de acesso. Com a privatização, o concessionário do canal terá todo o interesse em realizar dragagens que garantam o aumento da capacidade do tráfego, porque sua receita será tanto maior quanto maior for o volume movimentado nos terminais. Ao ente público caberá fiscalizar. Vale lembrar que o porto está inserido em um sistema. E hoje o Brasil não recebe os maiores porta­contêineres em operação no mundo ­ navios que garantem ganhos em escala e, portanto, redução de custos dos serviços ­ justamente devido a restrições estruturais, não apenas nos portos, mas em seus canais de acesso.
 
Cerca de 95% de nossas exportações e importações passam pelos terminais portuários, o que dá a exata medida da importância estratégica deste setor. Hoje, o descompasso entre demanda e capacidade ofertada em nossos portos cria gargalos que colocam o país na lamentável 131ª posição, numa lista de 148 economias, no ranking global de competitividade portuária. O resultado poderia ser ainda pior, não fosse a alta produtividade registrada isoladamente por alguns terminais mais modernos.
 
A infraestrutura portuária deficiente, por sua vez, contribui para que o Brasil figure apenas no 56º lugar no ranking global de competitividade, entre 61 países regularmente avaliados. E somos a 7ª maior economia do mundo! Neste momento, com base no novo marco regulatório, o governo coloca em marcha a segunda edição do bem­vindo Programa de Investimento em Logística (PIL), que prevê 50 novos arrendamentos em áreas públicas, 63 novas autorizações para instalação de terminais de uso privado (os TUPs) e ainda a renovação antecipada de contratos de concessão, com estimativas de algo em torno de R$ 37 bilhões em investimentos no setor nos próximos anos.
 
São números e perspectivas realistas, mas não suficientes para a almejada conquista da eficiência nos portos. Para que ela seja alcançada de forma plena, será preciso expandir a privatização para os domínios onde hoje prevalecem critérios arcaicos de administração.



(*) Nelson Luiz Carlini, engenheiro naval formado pela Escola Politécnica (USP), é consultor nas áreas de navegação e logística portuária
 

Imprimir Indicar Comentar

Comentários (0)

Compartilhe