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SEP: “To be or not to be” – Não é a questão!

Fonte: Portogente / Frederico Bussinger (*)




  Pontos-Chave:

  1. Extinção da SEP (pela reunificação dos 3 ministérios setoriais de transportes) e substituição de Diretores das Docas: Duas notícias agitaram o mundo portuário no início deste tão temido AGO/2015.  
       
  2. Imaginar que a (real!) ineficiência das administrações portuárias é resultado da (verificável!) inadequação estrutural das Cias. Docas ou incompetência (até existente!) de seus dirigentes, técnicos e empregados, é uma simplificação surpreendente... até ingênua.  
       
  3. Se o processo decisório portuário não for revisto nos seus diversos componentes e forma como eles se articulam; se tal revisão não tiver por norte maior autonomia e integração... resultados, mesmo, certamente ficarão bem aquém da expectativa que as sucessivas ondas reestruturantes criam.  
       

“Algo deve mudar 
para que tudo continue como está”
[Giuseppe Tomasi di Lampedusa – “O leopardo”]
 
Duas notícias agitaram o mundo portuário brasileiro no início deste tão temido AGO/2015: A unificação dos 3 ministérios setoriais de transportes; e uma ampla troca de diretores das Cias. Docas.
 
A unificação (portos + aviação civil + transportes), que implicaria na extinção da SEP, seria parte de uma reforma ministerial, encomendada pela Presidente, visando à redução do excessivo número de ministérios – algo amplamente criticado. A troca de diretores seria parte da estratégia governamental para recomposição de sua base de apoio nesse cenário de incertezas políticas: Seus contornos são controversos, mas alguns passos já foram dados no PA e RJ.
 
Como sempre acontece quando tais temas voltam à baila (praticamente todo ano, desde que a SEP foi criada, em 2007 – inclusive no calor da mais recente eleição presidencial), as entidades do setor, suas lideranças/dirigentes se manifestam/posicionam:
 
Em geral unificadas em relação à manutenção de um ministério específico; ainda que, por vezes, defendendo-o com argumentos (acidamente) críticos: “A SEP ainda não disse para o que veio e não resolveu o problema da dragagem ou arrendamentos. Só serviu para indicações políticas”.
 
Todavia, se também unificadas quanto à rejeição às chamadas “indicações políticas”, dividem-se em relação à melhor alternativa para “modernização” das administrações portuárias: Trabalhadores propugnam por mais investimentos e mais autonomia, e as entidades empresariais apontam no sentido de redução/extinção do papel estatal nas administrações portuárias; ainda que com nuances em relação à forma.
 
A ABTP, p.ex., tem como bandeira histórica a completa privatização delas: “A ABTP sempre defendeu a substituição do modelo docas pelo modelo privado de administração portuária. Precisamos de um único comando. Privatizar apenas uma parte me preocupa. Se é para inovar, vamos criar algo novo”; repete seus Presidente, Wilen Manteli, nos inúmeros foros dos quais participa e entrevistas que concede.
 
A FENOP, por seu turno, elaborou estudo e o encaminhou ao governo como proposta; algo como uma forma ampliada da “dragagem condominial”, discutida no processo de audiências públicas no 1º semestre: “A proposta é dividir as atividades das companhias docas em duas: uma autoridade portuária de gestão pública, que ficaria responsável por fiscalizar os contratos e manter o patrimônio público, e uma empresa de administração privada, que poderia contratar atividades essenciais sem necessidade de licitação. Por exemplo, as obras de dragagem, acessos terrestres, limpeza e vigilância”; explica Mauro Salgado, seu Presidente.
 
A “calcanhar de Aquiles” dessas propostas é que elas, normalmente, partem de uma premissa, ainda que implícita, de que às Administrações Portuárias cabe um amplo leque de funções/papeis (inclusive estratégicos) nos quais elas têm palavra final nas decisões: Se isso foi deixando de ser realidade nos últimos anos de vigência da antiga Leis do Portos (Lei nº 8.630/93), com o novo modelo, com nova Lei dos Portos (Lei nº 12.815/13) então...
 
O processo decisório tornou-se complexo, centralizado e imprevisível!
 
Desde logo o planejamento foi centralizado, justificado como “necessário para um planejamento integrado” (no que se avançou pouco) : A Lei e o Decreto nº 8.033/13 balizam o novo modelo, e a Portaria nº 03/14 regulamenta os “instrumentos de planejamento do setor portuário”.
 
Mas a Lei e o Decreto, além do planejamento, transferem e centralizam várias outras funções. P.ex:
 
SEP (no papel de poder concedente – art. 1º, § único do Decreto): Definir as diretrizes para arrendamentos (art. 6º, § 3º e art. 16-I da Lei); autorizar expansão de área já arrendada (§ 6º); avaliar (para aceitar ou não) os pleitos para instalações privadas (art. 12); celebrar contratos de concessão, arrendamentos e de adesão (art. 16-II), estes de TUPs e outras instalações privadas (art. 8º); estabelecer normas para pré-qualificação de operadores portuários (art. 16-IV); implantar o Programa Nacional de Dragagem (art. 53); decidir pela prorrogação (ou não) dos contratos de arrendamento vigentes, assim como pela antecipação (ou não) das prorrogações (art. 57); aprovar a transferência de controle acionário de outorgados (art. 2º, IV do Decreto); aprovar investimentos não previstos nas outorgas (V); aprovar EVTEAs (VI).
 
ANTAQ: Elaborar os editais (art. 6º, § 3º da Lei); e realizar os processos licitatórios para concessões e arrendamentos (§ 2º); autorizar, em caráter excepcional, a utilização (por terceiros) de instalações arrendadas - TUPs e outras instalações privadas (art. 7º e 13); adotar medidas para assegurar o cumprimento dos cronogramas de investimentos de outorgados (art. 8º, § 3º); aplicar de penalidades por infrações à lei, regulamento e contratos (art. 17, § 1º, XI, e 50); adaptar os contratos de TUPs e outras instalações privadas (art. 58 e 59); revisar e reajustar tarifas (pela nova redação da Lei nº 10.233/01 – art. 71); fiscalizar as administrações portuárias (idem).
 
Ou seja, pelo novo modelo, quase todas as funções estratégicas passaram a estar centralizadas na SEP e ANTAQ. Às administrações portuárias cabem, agora, duas dezenas de funções de natureza essencialmente executiva/administrativa (art. 17 a 19, e 25 da Lei); sempre dentro de normas explicitamente estabelecidas pelo poder concedente (SEP) ou das demais autoridades e balizadas em contratos de gestão com a SEP (art. 64). P.ex: Arrecadar tarifas, estabelecer horário de funcionamento do porto, autorizar entrada/saída de navios e movimentação de cargas, pré-qualificar operadores, organizar a guarda portuária, fiscalizar operações e obras (para instrução de processos administrativos da Antaq), manter balizamento, divulgar calado, sinalizar fluxo de mercadorias, entre outras.
 
Além disso, há ainda outros órgãos setoriais de transportes instituídos para participar do processo decisório (ainda a caminho de cumprir os papeis previstos e esperados): A EPL (geralmente não mencionada, por ser previsão de uma outra lei – Lei nº 12.743/12), e os 3 órgãos colegiados: CONIT, CONAPORTOS e Comissão Nacional de Praticagem.
 
A se considerar, também, as demais “autoridades” (Capitania dos Portos, Alfândega, Anvisa, etc.) que atuam no dia a dia dos portos, com atribuições específicas. E, last-but-not-least, outros órgãos/instituições que passaram a ter crescente participação no processo decisório portuário: TCU (e, em alguns casos, tribunais de contas estaduais); MP, licenciadores, etc. etc.
 
Imaginar que a (real!) ineficiência das administrações portuárias é resultado da (verificável!) inadequação estrutural das Cias. Docas ou incompetência (até existente!) de seus dirigentes, técnicos e empregados, é uma simplificação surpreendente... até ingênua. E que, nesse quadro, a mera “privatização” delas, no todo ou em parte, produzirá resultados rápidos, rútilos e inexoráveis, uma aposta talvez arriscada.
 
Tornar as administrações portuárias mais eficientes é uma inadiável necessidade. Conceber, implementar e gerir um planejamento mais integrado entre os modos de transporte, de igual forma. Uma relação mais amigável e funcional dos portos com as cidades e o meio ambiente que os abrigam, também.
 
Todos sabemos. Frequentemente o declaramos. Muitos o defendem. Alguns diligenciam para tanto.
 
Mas, se as intervenções forem apenas pontuais; se o processo decisório portuário não for revisto nos seus diversos componentes e forma como eles se articulam; se tal revisão não tiver por norte maior autonomia e integração, as mudanças de diretores das Cias. Docas serão, apenas, mais uma pachorrenta “troca de guardas”; e a eventual extinção da SEP (reposicionando, na “máquina”, estruturalmente os servidores responsáveis pelo setor) será, tão somente, mais uma reestruturação ronceira.
 
Resultados, mesmo... certamente ficarão bem aquém da expectativa que as sucessivas ondas reestruturantes criam.



(*) Frederico Bussinger , consultor do Instituto de Desenvolvimento, Logística, Transportes e Meio Ambiente (Idelt), foi diretor das companhias docas do Estado de São Paulo e de São Sebastião.
 

 


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